Inventário e partilha
São procedimentos subsequentes à abertura da sucessão, por meio dos quais se identificam os bens do acervo e os sucessores, liquida-se a herança e, em seguida, distribuem-se os bens entre os herdeiros, e pagam-se os legados.
O instituto jurídico do inventário foi concebido pelo Direito Romano, e consiste no arrolamento exato de tudo quanto o defunto possuía ao tempo da abertura da sucessão. Foi primeiramente aplicado por Adriano, na forma de benefício, para proteger um herdeiro, para que este não tivesse sua vida arruinada ao receber uma herança negativa – como o leitor deve se lembrar, a responsabilidade dos sucessores era ultra vires hereditatis, ou seja, par além das forças da herança. Posteriormente o benefício de inventário impõe-se, como regra, no caso de herdeiros militares.
Por fim, Justiniano facultou-o a qualquer herdeiro. Por sua vez a partilha, outra criação do Direito Romano, tem lugar devido ao fato de que, aberta a sucessão, a herança é devolvida em comunhão aos herdeiros, e estes se tornam dela condôminos, sendo necessária a divisão dos bens. Sobre a partilha, diziam os romanos singulas res singulis adjudicare, quer dizer, adjudicar cada uma das coisas a cada herdeiro.
Na primeira fase do Direito brasileiro, a disciplina do inventário e da partilha encontrava-se em uma série de alvarás do século XVIII. As ordenações Filipinas, que ainda eram a principal fonte formal do Direito, não cuidavam da matéria. Falava-se, à época, em processo orfanológico, o qual chegou a ser objeto único de boas obras de doutrina, como a de José Pereira de Carvalho – Primeiras linhas sobre o processo orfanológico.
Inventário e Partilha
Por meio do procedimento do inventário, identificam-se os bens deixados pelo autor da herança, entre os quais suas dívidas, bem como os sucessores.
Vez que se trata de matéria procedimental, sua disciplina se encontra no Código de Processo Civil – art. 610 a 646 do CPC/2015. O Código Civil, por sua vez, limita-se a estabelecer que a administração da herança cabe ao inventariante, desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha (art. 1.991), e a regular os temas dos sonegados, da colação e do pagamento de dívidas.
Impende destacar que, desde2007, quando o Código de processo Civil de 1973 fora alterado pela Lei n. 11.441, nosso ordenamento passou a contemplar tanto o inventário judicial quanto o extrajudicial.
Segundo o art. 610 do CPC, havendo testamento ou interessado incapaz, impõe-se o inventário judicial; no entanto, se todos os herdeiros forem capazes e concordes, admite-se o inventário extrajudicial, por meio de escritura pública a qual constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para o levantamento de importância depositada em instituições financeiras (art. 610, § 1º).
Inventário Judicial
Conforme o art. 611 do Código de Processo civil, o inventário judicial deve ser aberto dentro de dois meses contados da abertura da sucessão,e ser concluído nos doze meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de alguma das partes.
O foro competente para processar o inventário é o do último domicílio do morto, ainda que o óbito tenha ocorrido no exterior (art. 48 do CPC). Se, por alguma razão, o morto não tinha domicílio certo, como na hipótese de não ter residência fixa, nem lugar de trabalho definitivo, o foro competente será o do lugar da situação dos bens imóveis, ou, caso haja bens imóveis em lugares diferentes, o de qualquer deles, ou, ainda não havendo bens imóveis, o do lugar de qualquer dos bens da herança (art. 48, parágrafo único. do CPC).
Importante destacar que, conforme o Provimento n. 56 do CNJ, de 14 de julho de 2016, para o processamento do inventário, deve o juiz consultar o Registro Central de Testamentos On-Line (RCTO), para buscar informações sobre a existência de testamento público ou cerrado (art. 1º). Ademais, é obrigatória a juntada de certidão de inexistência de testamento expedida pela CENSEC – Central Notarial de Serviços Compartilhados (art. 2º).
Cabe a quem estiver na posse e na administração dos bens da herança requerer a abertura do inventário, no prazo do art. 611 (art. 615 do CPC). Têm, todavia, legitimidade concorrente (art. 616):
1. o cônjuge ou companheiro supérstite; 2. o herdeiro; 3. o legatário; 4. o testamenteiro; 5. o cessionário do herdeiro ou do legatário; 6. o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; 7. o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes; 8. a Fazenda Pública, quando tiver interesse; 9. e o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite.
Frise-se que a possibilidade de abertura do inventário pelo juiz, de ofício, prevista no antigo art. 989 do CPC/73, não foi mantida no CPC de 2015. A lei processual exige que o pedido de abertura do inventário seja instruído com a certidão de óbito do autor da herança (art. 615, parágrafo único do CPC).
Aberto o inventário, deve o juiz nomear inventariante, o qual, intimado da nomeação, deverá, em cinco dias, prestar compromisso de cumprir bem e fielmente o cargo (art. 617, parágrafo único do CPC). A partir de então, surge sua responsabilidade pela administração da herança, a qual somente cessará quando da homologação da partilha (art. 1991 do Código Civil).
Deve ser nomeado inventariante, sucessivamente (art. 617 do CPC):
1. o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;
2. o herdeiro que se achar na posse e administração do acervo;
3. qualquer herdeiro, se nenhum estiver na posse e administração do acervo;
4. o herdeiro menor, por seu representante legal;
5. o testamenteiro, se lhe foi confiada a administração do acervo ou se toda a herança estiver distribuída em legados;
6. o cessionário do herdeiro ou do legatário;
7. o inventariante judicial, se houver;
8. pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial (nesse caso, o inventariante será chamado de dativo).
Antes da entrada em vigor do CPC/2015, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento era no sentido de que o menor não poderá ser nomeado inventariante. Segundo a Corte, por ter caráter personalíssimo, a função de inventariante não poderia ser exercida por meio de representação, só cabendo a quem tem capacidade para a prática dos atos inerentes á função.
Ao inventariante incumbe, conforme o art. 618 do CPC:
1. representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observando-se, quanto ao dativo, o disposto no art. 75, 21 1º;
2. administrar o espólio, velando pelos bens com a mesma diligência que teria se fossem seus;
3. prestar as primeiras e últimas declarações, pessoalmente ou por mandatário com poderes especiais;
4. exibir em cartório, a qualquer tempo, para exame das partes, os documentos relativos ao espólio;
5. juntar aos autos certidão do testamento, se houver;
6. trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluídos;
7. prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo, ou sempre que o juiz assim determinar;
8. requerer a declaração de insolvência.
No procedimento judicial do inventário o juiz decidirá todas as questões de direito, desde que os fatos relevantes se encontrem provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas (art. 612 do CPC).
As questões que dependem de outras provas eram chamadas, anteriormente, pela doutrina de questões de alta indagação. Consistem em questões de alta indagação, se não puderem ser provadas exclusivamente por documentos, aquelas por exemplo, acerca de parentesco do autor da herança, de invalidade de atos por este praticados, de propriedade dos bens do acervo, do direito sucessório de algum suposto sucessor, da exclusão de herdeiros, de sonegação de bens, etc. Essas informações são de Elpidio Donizetti e Felipe Quintella.